Heroínas de capacete: personagens que fizeram história no motociclismo
Elas aceleraram fazendo o machismo comer poeira! Conheça as desbravadoras das pistas que popularizaram a motocicleta entre as mulheres mundo afora
Esqueça os saltos, amigo! A referência aqui é diferente. As mulheres que você vai conhecer agora chamaram a atenção em suas gerações andando de uma outra maneira, até mais ousada diga-se de passagem: sobre duas rodas.
Definitivamente, a história do motomobilismo não seria a mesma sem elas. Estas mulheres provaram que aquela adrenalina única da velocidade e a sensação de vento no rosto poderiam ser direito de todos, não uma exclusividade masculina.
Segundo historiadores, a partir de 1915, os homens começaram a considerar as viagens de moto uma opção real e viável. Contudo, inspiradas pelo uso simples da bicicleta, algumas mulheres passaram a se interessar pela mobilidade e a liberdade que esses novos veículos traziam. Mas não sem incomodar o conservadorismo médio daquele tempo.
E na esteira desse movimento – de certo modo rebelde – foi que surgiram mulheres que ignoraram todas as convenções sociais da época em nome da paixão que tinham pelas motos. Assim, imbuídas de um espírito aventureiro, elas colocaram as rodas na estrada e tatuaram para sempre seus nomes na memória do motociclismo.
Saiba quem são estas personagens e como as experiências fantásticas que elas viveram ajudaram a popularizar o uso do veículo entre mulheres de todos os continentes.
Dorothy Robinson
No ano de 1912, na Austrália, nasceu Dorothy Robinson. Para os pais, Dot. E ela veio ao mundo já dando pistas sobre o próprio futuro. Quando sua mãe entrou em trabalho de parto, não por acaso seu pai a levou ao hospital em uma sidecar. Para quem não sabe, aquele dispositivo removível acoplado à moto que a resulta num triciclo.
Ele era dono de uma loja que comercializava o veículo. Seis anos depois, sonhando pistas mais rentáveis, resolveu se mudar com a família para expandir o negócio nos Estados Unidos. Lá, Dot, quando adolescente, passou a trabalhar no comércio do pai e a pilotar.
Aos 18 anos de idade, ganhou seu primeiro troféu na corrida Endurance Flint 100, sendo a primeira mulher a disputar a prova. Cinco anos depois, em 1935 e já casada, ela quebrou a marca transcontinental da classe Sidecar, pilotando de Los Angeles a Nova York em 89 horas e 58 minutos.
Em 1940, com 28 anos, venceu a competição Jack Pine na categoria Sidecar, se tornando a primeira mulher a ingressar na American Motorcyclist Association. A prova foi marcada pela dificuldade: dos 52 participantes, apenas 7 cruzaram a linha de chegada.
No ano seguinte, ela e a motociclista Linda Dugeau, da Nova Inglaterra, buscavam pelo país mulheres que pilotassem motocicletas. Encontraram 51, e juntas elas fundaram a Motor Maids of America Inc, que tinha o lema “é possível pilotar sendo uma dama”.
Aos 87 anos, Dot faleceu. Não sem antes marcar presença no seleto Motorcycle Hall of Fame Museum, graças ao seu espírito livre e o seu papel de fortalecimento do motociclismo entre as mulheres.
Bessie Stringfield
Esta personagem teve um desafio e tanto no início do século passado: o de ser motociclista na posição de mulher e de negra. E ela conseguiu! A tal ponto que entrou para o Hall da Fama do Motociclismo. Mas quando nem sonhava com isso, ainda menina, Bessie Stringfield ficou órfã e foi adotada por uma irlandesa.
A mãe deu a ela a primeira motocicleta. O presente era uma Indian Scout 101 1928, que a adolescente aprendeu a andar sozinha, com 16 anos. Aos 19, fez sua primeira viagem, num período anterior à consolidação dos direitos civis nos Estados Unidos, o que deixa as conquistas que você vai ler ainda mais surpreendentes, amigo.
Bessie se aventurou em 48 dos 50 estados americanos e cruzou 8 vezes o país. A primeira negra a pilotar sozinha pelo território – e numa fase cheia de tensões raciais, é preciso lembrar. Para arcar com suas despesas, fazia acrobacias na moto e participava de competições. Como não achava acomodação que aceitasse negros, parava em postos de gasolina e dormia apoiada na moto.
Na segunda guerra, foi mensageira do exército, conduzindo a Harley-Davidson azul que carinhosamente chamava de “61”. Mais tarde, mudou-se para a Flórida, onde se disfarçou de homem para disputar a Flat Track (motociclismo de pistas ovais). Descoberta, perdeu o troféu. Mas virou lenda! Em 2000, o Hall da Fama das Motocicletas criou o “Bessie Stringfield Memorial Award” para honrar suas realizações extraordinárias como piloto.
Avis e Effie Hotchkiss
Há mais de um século, no longevo ano de 1915, mãe e filha puseram à prova sua paixão pelo motociclismo. Decidiram embarcar em uma viagem extensa a duas rodas com partida da cidade de Nova Iorque e destino em São Francisco, na outra costa do país.
Para a missão, escolheram um modelo clássico Harley-Davidson Model 11-F, equipado com um sidecar no qual ficava a mãe. O curioso nessa história é que elas preferiram traçar rotas intuitivamente alternativas em vez de seguirem o caminho direto e mais conhecido. Desse jeito, cobriram quase 10 mil km, atravessando estradas do interior americano.
A filha, Effie, foi ensinada a andar de moto bem cedo, aos 16 anos, com o apoio do irmão mais velho. Os primeiros percursos foram feitos numa Marsh & Metz que havia ganhado de presente. Porém, visionando se aventurar numa longa viagem, adquiriu uma moto mais robusta, a primeira, aliás, a apresentar uma caixa de câmbio de 3 marchas.
Sua maior ambição era a de se tornar a primeira mulher a cruzar os Estados Unidos em uma motocicleta. Mas isso não bastava, Effie queria viver a experiência da viagem em companhia materna. E a mãe acreditava no potencial dela.
“Não temo avarias porque Effie, sendo uma motorista muito cuidadosa, é uma boa mecânica e faz reparos com as próprias ferramentas”, contou Avis, pouco antes de 2 de maio, dia em que se jogaram para realizar a façanha. Os laços de sangue fortaleceram mãe e filha para enfrentar um período de dois meses a fio nas pistas até a chegada na Califórnia.
Já na cidade de São Francisco, ponto final da rota, elas foram fotografadas despejando na praia de Ocean Beach, no Oceano Pacífico, uma jarra com água do mar do Atlântico, que trouxeram de Nova York. O sucesso da jornada fez de Effie e Avis Hotchkiss as primeiras motociclistas femininas transcontinentais, marcando para sempre a identidade da dupla nas páginas do motociclismo mundial.
Adeline e Augusta Van Buren
Se pensou que param por aí as histórias motobobilísticas femininas que envolvem família, você se enganou! Apesar de não terem conhecido as personagens anteriores, Adeline e Augusta Van Buren também tiveram um papel de parceiras na popularização do uso da moto entre as mulheres.
Consideradas na alta sociedade americana dos anos 20, essa dupla de irmãs comprou ao mesmo tempo dois modelos Indian Power Plus. A partir disso, houve uma verdadeira virada de mesa no que se refere à visão da mulher sobre duas rodas.
De forma nem um pouco despretensiosa, realmente motivadas por um senso de igualdade, Adeline e Augusta se propuseram a revelar que as mulheres poderiam ser úteis na Primeira Guerra de outra maneira, e não só cuidando dos feridos. A fim de mostrarem esse potencial, em 1916, as irmãs decidiram percorrer o país em cima de suas potentes máquinas por um exaustivo período de 3 meses.
O desejo delas era chamar a atenção para o fato de que poderiam, sim, pilotar tão bem quanto os homens, inclusive participando do conflito como mensageiras motorizadas. Ou seja, havia uma proposta política que extrapolava o caráter aventureiro dessa viagem.
E elas elegeram o Colorado para marcar história como as primeiras mulheres a subirem a desafiadora Pikes Peak. Só não contavam que o estardalhaço da mídia em torno da ação faria com que a viagem remetesse mais ao lazer de duas supostas dondocas do que a uma declaração política ou uma realização histórica, como gostariam.
Anos depois, Adeline se tornou advogada em Nova York, e Augusta piloto de aviação. O reconhecimento da luta que travaram ocorreu tardiamente, mas não falhou. Em 2002, as irmãs ingressaram no Hall da Fama da AMA, a American Motorcycle Association, e no ano seguinte também cravaram o nome no importante Sturgis Hall of Fame por sua contribuição excepcional na evolução motociclística feminina.
Dia internacional da mulher
Como você leu, a história nos mostra que o potencial feminino para realizar os feitos mais incríveis no motociclismo não poderia, de modo algum, ficar retido em vestidos e chapéus de época. Elas queriam mais! E não só vestirem capacetes e jaquetas, mas a liberdade, a chance de viver como gostariam em seu tempo. Por isso, foram pioneiras e revolucionárias.
Nesta data de tantos significados, desejamos que o espírito livre das personagens aqui contadas te motive a viver qualquer aventura que você queira, das mais simples às mais extraordinárias. Feliz dia internacional da mulher!
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