Motociclistas mulheres que você deveria conhecer: Elspeth Beard

 Motociclistas mulheres que você deveria conhecer: Elspeth Beard

A arquiteta de Londres foi uma das primeiras mulheres a dar a volta ao mundo em cima de uma moto

Viajar pelo mundo é um sonho comum, mas que poucos colocam em prática. Para quem é apaixonado pelo universo das duas rodas, os planos podem, até mesmo, incluir uma motocicleta como o principal meio de transporte durante os trajetos. 

No início dos anos 1980, Elspeth Beard, então definida como uma universitária corajosa, partiu para viver uma aventura enorme em cima de sua moto. Ao todo, percorreu mais de 55 mil km e, com certeza, colecionou histórias inesquecíveis. A britânica se tornou uma das primeiras mulheres a fazer uma viagem de moto desse porte e, em 2017, lançou seu livro “Lone Rider” (“Pilota Solitária”, em tradução livre), onde compartilha os momentos mais marcantes dessa experiência. 

A viagem

Durante a vida universitária, os estudantes sonham grande, mas nem sempre é possível tornar essas metas uma realidade. Determinada a conquistar o que queria, Elspeth Beard, aluna do terceiro ano de arquitetura, passou a trabalhar em um pub de Londres para conseguir dinheiro para uma viagem. A jovem de 23 anos queria viver uma aventura na moto, e ignorou as opiniões negativas.

Com o dinheiro de seu trabalho como garçonete, Beard conseguiu comprar uma BMW R 60/6 usada, para que fosse sua parceira na viagem. Sua jornada começou em 1982, em Nova York, local para onde comprou sua passagem e a de sua moto. De lá, ela pilotou até o Canadá, depois desceu para o México e retornou a Los Angeles. 

A partir da cidade da Califórnia, ela comprou uma passagem para Sidney. Permaneceu na Austrália por sete meses e lá realizou alguns trabalhos de arquitetura, ganhando experiência e dinheiro para arcar com suas despesas. Em uma estrada quase vazia australiana, a mulher sofreu seu primeiro acidente, mas não quebrou nenhum osso. Depois de algumas semanas de recuperação, ela rumou para o oeste da Austrália, de onde partiu para Singapura.

Na Ásia, Beard enfrentou uma grande dor de cabeça: todos os seus pertences foram roubados. Isso inclui seus documentos, vistos e até os papéis da moto. Com isso, teve de permanecer mais tempo no local, para reaver a papelada necessária. 

Depois, ela seguiu para a Malásia, Tailândia, Bangkok, Chiang Mai e o Triângulo de Ouro – região montanhosa com arquitetura encantadora. No meio de paisagens exóticas, a britânica sofreu sua segunda queda – desta vez, por conta de um cachorro que cruzou sem caminho, o que a fez colidir com uma árvore. Felizmente, uma família tailandesa, que nem falava inglês, acolheu e cuidou de Elspeth até sua recuperação. O motivo de tamanha hospitalidade foi porque a viajante havia lhes dado suprimento de comida para duas semanas. 

Com a moto consertada e a saúde melhor, a motociclista pegou um navio para a Índia. No país, encontrou seus parentes, que foram até lá para vê-la, depois de dois anos. Um choque para todos era o quanto a jovem estava mais magra – fator intensificado pelo cotidiano instável e espontâneo na viagem.

Foi na Índia que conheceu um amigo alemão, Robert, também motociclista. Ele estava fazendo sua viagem com uma BMW Boxer e, juntos, decidiram partir para a Europa. A saída do território indiano tinha sido dificultada, exigindo um visto especial, mas Elspeth aproveitou que o cenário era novo até para os guardas e conseguiu cruzar a fronteira com cartas aleatórias. 

Chegando no paquistão, as dificuldades aumentaram. Ela e o colega precisavam cruzar o país em menos de sete dias – a duração do visto iraniano provisório. A questão é que Elspeth estava fraca, devido à hepatite, e a sua moto já apresentava vazamento no motor, falha na transmissão e freios gastos. Por mais que a manutenção não fosse cara ou complicada, as peças eram difíceis de encontrar. 

Além disso, a região estava um caos político, pós-revolução iraniana em 1979. Havia uma severa lei onde todas as mulheres deveriam usar hijab ou burca. Para contornar esse cenário, a britânica usava seu capacete, se passando por um homem. Conseguiram cruzar a fronteira com a Turquia horas antes do visto expirar.  

No entanto, Elspeth Beard, que havia saído de casa forte e saudável, estava fraca demais, depois de ter enfrentado enfermidades, e pesava apenas 41 kg – uma pausa era urgente. Na Turquia, conseguiu descansar e se recuperar, além de fazer os reparos necessários na sua R 60. Quando tudo estava em melhores condições (a jovem já estava pesando 65 kg), ela partiu para a Grécia e o centro da Europa, já com seu retorno para casa em mente. 

Elspeth teve contato com belas paisagens europeias, mas também viveu com bastante emoção em um trecho específico, a chamada “rota da morte” na Iugoslávia. Era uma estrada estreita, sem proteção alguma, desafiadora para qualquer piloto. 

O retorno à Londres

Depois de muita adrenalina, 55 mil km percorridos e três anos desbravando territórios inusitados, Elspeth retornou à sua cidade natal. Recuperou sua saúde e concluiu a graduação. Foi nessa cidade onde criou seu filho, sozinha, e se desenvolveu profissionalmente – durante sete anos, reformou uma torre da Era Vitoriana para torná-la um prédio residencial. 

Hoje com 62 anos, Elspeth Beard comanda sua conceituada firma de arquitetura, mas não abandonou sua grande paixão: o motociclismo. Pilotar continua sendo uma atividade importante na vida da britânica, que frequenta eventos e encontros relacionados a esse meio. 

Quanto ao veículo que utiliza agora, ela tem uma BMW R 80 GS Basic modelo 1998 e também costumava pilotar uma BMW R 1000 GS. O destaque desses modelos, segundo Beard, é a simplicidade dos motores (do tipo Boxer), o que permite que ela os conserte sozinha. 

O sucesso de Elspeth é nítido nas duas áreas: seu trabalho como arquitetura já recebeu sete prêmios, enquanto a sua trajetória no motociclismo aparece em programas de TV e artigos de jornal. Além disso, a autobiografia “Lone Rider: The First British Woman to Motorcycle Around the World”, publicada em 2017, reúne para o público um panorama denso dos momentos de sua grande viagem. 

Em um mundo dominado por homens, como ela mesmo deixa claro em sua escrita, Elspeth foi a primeira mulher britânica a viajar pelo mundo em cima de uma moto. Sua determinação e coragem são exemplo para qualquer motociclista.

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