Sarah Conessa, exemplo na motovelocidade feminina

 Sarah Conessa, exemplo na motovelocidade feminina

Sarah Conessa é piloto desde os 13 anos de idade. Ela começou sem muitas pretensões, sem imaginar que o motociclismo tomaria um espaço tão grande em sua vida. Hoje, com 20 anos, faz Ciências Biológicas na Universidade Católica de Brasília (UCB), cidade onde sempre morou e onde começou a se encantar pelas motos.

Ela já participou de vários campeonatos nacionais e também internacionais. Já correu pela SuperBike Brasil (principal categoria de motovelocidade no país); no Campeonato Feminino Espanhol, com as melhores pilotos selecionadas de 14 países diferentes; chegou a correr em autódromos da MotoGP; e, em 2019, participou do ITALIKA Women’s International Cup, no México.

A piloto conta que a motovelocidade já esteve mais entre as suas prioridades. Ela diz que o Brasil não é um país que incentiva e patrocina o esporte o suficiente, e por isso acaba se tornando muito difícil sobreviver apenas disso. Seu foco hoje tem sido sua carreira como bióloga, embora o sonho ainda viva dentro do peito.

Sarah diz que está aberta a convites para pilotar dentro e fora do Brasil, e que o motociclismo sempre continuará sendo seu escape e seu prazer.

– Com que idade você começou a se envolver com motociclismo? Foi influência da família?

Com 13 anos, e foi sim. Meu pai sempre teve moto, ele até chegou a competir também, só que na época não tinha quem apoiasse ele, então foram só algumas corridas. Então desde pequena, moto para mim era algo muito natural, era uma coisa que já estava dentro da minha casa; não era um tabu como é para muitas pessoas. No meu aniversário de 13 anos, eu insisti para que meu pai me ensinasse a andar. Ele tinha um amigo que dava curso de pilotagem defensiva, aí me levou lá para fazer umas aulinhas, era só para ser brincadeira. Na época, eu nem fazia ideia do que era motovelocidade. E aí um belo dia, 6 meses depois, esse amigo dele, que já era um pouco experiente na área das corridas, falou: “vamos fazer uma corrida em um autódromo”. E eu fiquei surpresa, mas fui. Eu até acho muito legal, porque cheguei no autódromo sem saber nada, então eu fui sem expectativa, fui muito para me divertir mesmo. E acabei gostando.

– Nos anos seguintes continuou correndo com esse amigo do seu pai?

Não, ele não tinha muito foco em corrida de motovelocidade. Eu fiz 1 ou 2 corridas com ele, ainda na categoria júnior aqui de Brasília com a minha primeira moto. No meu aniversário de 14 anos, o meu pai me deu a moto Ninja 300 e em 2014 eu já comecei a correr de Ninja, aqui em Brasília. Isso só eu e meu pai, sem equipe. Até que uma equipe de Brasília me chamou para correr no autódromo de Brasília, e depois a gente viu o Super Bike, que na época era o maior campeonato. Em 2013, eu fiz a minha primeira corrida fora de Brasília, que foi no Interlagos. E aí é que a história começou mesmo, que a coisa começou a andar de verdade.

– E quais corridas mais te marcaram até hoje?

Eu tive uma experiência muito legal fora do Brasil. Eu corri o Campeonato Feminino Espanhol, que foi todo de R3. Depois da Ninja 300, eu comecei a correr de R3, da Yamaha, que é a moto incrível que eu estou até hoje. E aí eu fui para a Espanha correr, o nome do campeonato era Women’s Open Cup, e eram só mulheres, do mundo todo. Acho que tinham pessoas de cerca de 14 países diferentes, foi uma experiência incrível. E a gente corria junto com o Campeonato Espanhol, então lá eu tive a oportunidade de andar em dois autódromos do MotoGP, e eu acho que foi a melhor corrida da minha vida. Eu competi contra uma húngara, eu estava disputando com ela a terceira colocação, e eu consegui chegar em terceiro, e foi o melhor dia da minha vida. Se eu fosse escolher meu top 2 seria uma aqui do Brasil, em Londrina, que eu também estava disputando o primeiro lugar com pilotos que muito bons aqui do Brasil. E as duas corridas foram em 2016. Com certeza foi meu melhor ano.

– Você viaja muito por causa das corridas?

Sim. Agora, em 2019 e 2020, estou mais parada. Porque, em 2018, eu comecei a faculdade. E, quando eu estava na escola, era tudo mais fácil, eu viajava muito. Em 2016, eu fazia o campeonato brasileiro, fazia o campeonato regional de Goiânia, e fazia o campeonato espanhol. Então eu tinha 1 final de semana de folga no mês, ou nenhum. Mas nossa, eu amava, amava. E meu pai sempre foi o meu maior companheiro, então ele sempre ia comigo em tudo, sempre nessa batalha. Aí eu comecei a faculdade e tive que diminuir o ritmo, escolher os campeonatos para focar mesmo.

– E você pretende seguir uma carreira dentro da biologia, ou você acha que vai acabar ficando no motociclismo?

Então, eu sempre levei a moto como um sonho, como um hobby. Eu não sabia que tinha… e, de certa forma, é meio triste pensar nisso, mas eu não sabia que tinha um prazo. Que teria uma data em que eu ia ter que focar no meu futuro. Querendo ou não, motovelocidade aqui no Brasil é muito difícil. Muito difícil que as pessoas consigam levar isso como profissão. Quando eu tinha uns 13, 14 anos, eu ainda sonhava com essa realidade, só que agora que eu já estou com 20, e falta só um ano para acabar a faculdade, eu já estou mais ‘pé no chão’. Em 2016, eu ainda via a moto como a minha máxima prioridade e aquilo era tudo da minha vida… hoje já é um pouco diferente, e essa é a realidade de muitos pilotos que correm em campeonatos. A moto se torna algo prazeroso, uma área de escape desse estresse. E para mim hoje a moto é isso. Claro que eu sou muito competitiva, em tudo da minha vida, e acho que é por conta de ter começado cedo na moto, e eu nunca vou deixar isso morrer. Mas hoje o meu foco principal é a faculdade, é o emprego, e a moto é mais um hobby.

– E essa dificuldade em se manter como piloto tem como principal motivo a falta de patrocínio de marcas?

É muito em função de patrocínio sim. Tem muito piloto que é excelente, você vê que a pessoa tem talento, tem garra, tem dedicação. Mas é um esporte muito caro. Então você precisa ter uma ajuda, ou já ter algum capital na família para conseguir se manter. É muito difícil. Graças a Deus, desde o início da minha carreira, eu tenho alguns patrocínios. Eles vêm de Brasília, me ajudaram a ir para a Espanha, me ajudaram a ir para o México no ano passado, e nunca foi um problema impossível para a gente.

Mas, além do patrocínio, também tem uma questão de incentivo e dedicação. Por exemplo, quando eu fui para a Espanha, percebi que lá eles começam a treinar com 3 anos de idade. Fui convidada a participar do campeonato pelo Chicho Lorenzo, que é quem organizou a competição. Ele tem escolas de pilotagem em vários lugares da Espanha e nelas ele tem umas mini motos, bem pequenininhas, para crianças. Cada escola tem umas 20 criancinhas que treinam todo dia, então é muito difícil de competir. Nosso país não vê muito esse esporte, querendo ou não a visibilidade está melhorando agora. E eu comecei com 13 anos e achei que estava começando nova, lá eles começam com 3 anos de idade. Então eu acho que essa questão pesa. Lá eles têm muitos pilotos que acabam podendo se dedicar mais (por mais tempo), porque lá isso é muito bem visto, e aqui a gente tem muito piloto também que sonha, só que chega e a realidade é outra. O país também não ajuda muito.

– E por que você acha que aqui não tem tanto esse apoio das marcas?

É uma questão de mentalidade da população, sabe? Eu acho que não é uma coisa que as pessoas veem ainda com bons olhos. Mas eu vejo que isso é uma coisa que está mudando muito, muito. As últimas gerações estão mudando muito. Quando eu comecei, quando a gente contava para os amigos dos meus pais que eu estava correndo, meu deus, eles faltavam matar a minha mãe. Diziam que ela não tinha juízo, que isso era um absurdo. E hoje eu vejo que a mentalidade da galera mais nova está mudando. Porque realmente é uma profissão, é um esporte, é uma coisa séria. Não é uma baderna, não é algo errado. Então acho que a cabeça das pessoas está mudando. E, esse ano, eu vou correr na equipe da Yamaha e da Playstation aqui no campeonato brasileiro. E a Yamaha está revolucionando a motovelocidade brasileira, porque eles estão investindo pesado na categoria deles, na Yamaha R3, e isso está juntando vários pilotos excelentes, que estão indo lá para a fora. E eles estão fazendo subsídios, já que muitos não têm condição de correr. A Honda também apoia um pouco. Mas eu acho que hoje em dia a Yamaha é um diferencial. E isso faz com que a visibilidade aumente.

– Como tem sido esse ano para você?

Esse ano tem sido bem difícil. Acho que nunca fiquei tanto tempo, desde que comecei a andar, sem correr e sem treinar. Eu não estou conseguindo treinar muito, até por conta da quarentena mesmo e pelo medo. E porque aqui em Brasília está um pouco complicado, porque o autódromo que a gente costumava treinar está fechado. Então eu não estou treinando muito, mas eu estou tentando. Tem uma moto pequenininha aqui em casa e a gente vive brincando aqui no quintal para não se afastar da moto de jeito nenhum.

– Você tem referências femininas no automobilismo?

Tenho bastante até. Referência internacional acho que seria a Maria Herrera, ela é uma piloto extremamente competente e nunca abaixou a cabeça. Muito forte, muito poderosa, ela é incrível. E nacional seria a Indiana Muñoz, ela era daqui de Brasília também, minha amiga. Quando eu comecei, ela me ajudou muito, ela era uma pessoa muito boa. Infelizmente, ela veio a falecer no início desse ano em uma competição, e ela é uma pessoa extraordinária, que sempre ajudava todo mundo. Foi campeã brasileira.

– E você sente uma diferença de tratamento dos outros pilotos ou das próprias marcas por ser mulher?

Então, recentemente me perguntaram bastante isso, e eu venho pensando bastante nos últimos tempos. E eu cheguei à conclusão de que, antigamente, quando eu comecei, em 2013, eu sentia mais. Eu sentia que era um tabu, que as pessoas me olhavam estranho, que os homens não queriam perder para mulher. Mas o que eu vejo é que, hoje em dia, principalmente nessa categoria nova da Yamaha R3, isso não faz diferença para eles. Acho muito legal. Os mais jovens vêm mudando essa realidade e mostrando que nem sua idade, o seu gênero nem nada importam mais que a sua competência, o seu talento e a sua dedicação. Eles tratam de igual para igual, e eu nunca tive nenhum problema com eles, não. Como eu disse, foi mais no início, com homens mais velhos.

– Quais são os seus planos para os próximos anos?

Então, eu confesso que não tenho muitos planos. E também, assim, tudo o que aconteceu na minha carreira não foi muito planejado. Eu comecei a correr de moto sem planejar, fui para a Espanha porque recebi um convite. Então eu estou aberta a convites, como o do México do ano passado. A princípio, o plano desse ano é correr com a Yamaha no campeonato brasileiro de R3, que provavelmente vai estar voltando já no próximo semestre. Os próximos anos, ainda não sei.

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